Por: Janete Manacá
Elas fizeram parte da minha infância. Geralmente moravam na zona rural
ou em pequenos povoados. Só iam às cidades motivadas por grandes necessidades.
Eram mulheres humildes, porém guerreiras e residiam em pequenas casas de
madeiras de chão batido, fogão de lenha e no quintal uma horta farta de plantas
medicinais, uma farmácia viva. O cotidiano dessas mulheres não era fácil.
Lavavam roupas no rio, tomavam água de mina distante de suas casas a dois ou
três quilômetros.
Estou me referindo às benzedeiras que também acumulavam o ofício de
parteiras. Eram muito respeitadas por toda a vizinhança. A qualquer hora do dia
ou da noite quando eram requisitadas para ajudar no nascimento ou benzimento,
lá iam elas com suas sacolas de repletas de variadas ervas. Nem sempre os
necessitados tinham condições de oferecer uma carroça para ir busca-las. Mas
isso não fazia a menor importância, afinal já estavam acostumadas a atravessar
caminhos íngremes entre matas fechadas, cruzar pontes e se proteger de gados no
meio dos pastos.
Em tempos difíceis quando a colheita era prejudicada por pragas, secas
ou chuvas em demasia elas passavam por necessidades, mesmo assim, a caridade
era uma qualidade que sempre florescia em seus corações. Nunca se deixavam
abater, eram mulheres acima de 50 anos, mas pelas precárias condições vividas
aparentavam muito mais. Seus passos eram firmes e inabaláveis, porque o
movimento natural da vida não podia esperar.
Eram mães universais. As crianças vindas ao mundo por suas abençoadas
mãos eram muito gratas, tomavam bênção e as respeitavam como uma genitora. E
nesse bailado contemporâneo de afazeres necessários, essas sábias mulheres eram
mestras e aprendizes e suas generosidades ultrapassavam os limites dos seus
lares. Esteio de família, matriarcas do amor, a música, a poesia e a inspiração
em constante movimento. Eu tive o prazer de ser amparada por essas nobres
mulheres. Foi por meio de suas sagradas mãos que eu visualizei os primeiros
raios solares desse planeta terra.
A missão dessas destemidas mulheres independe de
religião, é repassada oralmente de geração em geração e tem aliviado as mazelas
de muita gente e em geral, moradores de comunidades, distante das
cidades. Elas conseguem ser e estar no mundo, por isso, criam, recriam,
expandem e se colocam a serviço do cotidiano comunitário, por meio de suas
práticas solidárias. Movida por essa reflexão eu me lembrei de Kalil Gibram – o
poeta do amor, que dizia que viemos ao mundo para viver na glória do amor e na luz da beleza, que são reflexos de Deus.
Com o passar o tempo, a tradição do benzimento
ainda se mantem. Para todos que buscam a cura ou mesmo um conforto, há sempre
uma reza ou um canto, acompanhados de ervas curativas. Atualmente, nas cidades,
dificilmente encontramos benzedeiras e muito menos parteiras. E quando as
encontramos são senhoras que já passam dos 80 anos e não conseguem repassar a
tradição porque os filhos não tem interesse.
Eu sou orgulhosamente neta de um benzedor. Não tive
o prazer de conhecê-lo, mas minha mãe sempre me falava sobre ele, seu
conhecimentos sobre ervas e o exercício do benzimento para cura do corpo e da
alma. Se ela tivesse herdado esses dons, quem sabe hoje, eu seria uma
benzedeira. A essas lindas mulheres a minha reverência e gratidão. Minha mãe
parteira e minha mãe biológica, ambas se chamavam Ana e já voltaram para as
estrelas. Saudades é a palavra que define esse momento. Não é fácil tecer
palavras, quando se trata de pessoas tão especiais, tão luz, tão mar, tão
luar...
Eu vim do pântano
dos aflitos
Em meio a olhares
corajosos
De quem vence
os próprios limites
Cheguei chorando
para me certificar
De quantos colos
estavam a me esperar
Depois de nove
meses de desafios
Haviam mãos de
mulheres guerreiras
Cuja fé vence
qualquer barreira
Eram minhas doces
e ancestrais benzedeiras
Com as mãos
em feitio de oração
Agradeciam o
milagre de mais uma vida
Que renascia na
dureza daquele chão
Choros e cantos
misturavam-se naquele instante
E o seio materno a
jorrar o leite além do pranto
Na certeza de mais
um dia de efêmera felicidade
Mulheres marcadas
pela impiedade do passar do tempo
Rompem o sagrado e
divino momento
E erguem os olhos
ao firmamento em gratidão
É a vida
emocionada que pede passagem
É a flor que
se rompe a espera de liberdade
E recebe boas
vindas patuá, benzimento e afetividade
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