quarta-feira, 22 de agosto de 2018


Alado
Por: Janete Manacá

Para Dhiedo Fares

O tempo segue indiferente e acelerado
Há algo em mim que me torna enamorado
Descubro as próprias asas e me arrisco
Aprendo a agradecer e contemplar o infinito
E celebro o amor que em meu peito grita

A travessia aos meus olhos é instigante
Integra-me à fulgurante luz solar
Inspirada no indecifrável azul celestial
Ouso sempre sem medo de vacilar
Movido pela doçura que me inspira a amar

Ergo a cabeça feito um nobre aventureiro
Estendo os braços como um valente guerreiro
Abraço a vida movido por coragem e sorrisos
Por fim adormeço feliz com a alma iluminada
E acordo alegre com a sinfonia da passarada

E quando o dia nasce enevoado
Eu entoo harmoniosos cantos sagrados
Abro as minhas mágicas asas e voo
Num audacioso e admirável bailado
E ofereço júbilo a esse mundo frágil, fatigado

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

É com os olhos do coração que a utopia acontece.


Ficha Técnica
Pequeno Príncipe Sensorial, com grupo Sensus (SP)
Texto: Antoine de Saint Exupéry. Tradução: Eliani Hypólito. Direção e adaptação: Thereza Piffer. Produção: Juliano Hollivier. Assistência de Produção: Renata Machado.

Por: Janete Manacá

Eu estava na fila e aguardava com uma certa ansiedade afinal, não era um encontro qualquer. Mas não podia ser tão egoísta e ir sozinha então, convidei a minha criança interior para ir comigo. Mau a convidei, senti a sua mãozinha segurar a minha. Respirei e agradeci. Foi a melhor companhia!

O encontro era com o Pequeno Príncipe: o menino dos cabelos dourados. Um misto de emoção e encantamento fez morada temporária em meu ser, num ritual de preparação para reviver a sua história.

E, de olhos vendados, o deserto se fez oásis e inebriou meu coração. Meu imaginário tornou-se um jardim e a rosa tão amada era parte integrante de mim.

O cheiro de trigo, o vento nos cabelos e a raposa com sua ternura, acabara cativando minh'alma, numa suave dança de celebração. Fiz de mim uma criança especial, como se fosse um complemento do menino real, que sabia que o amor só é complicado aos olhos opacos dos adultos quando cobertos pelo véu da ilusão.

Caminhando por entre a escuridão eu enxerguei a dimensão da eternidade nunca dantes experimentada. A finitude daquele instante, guiada pelas ternas mãos da inocência fez brotar sabedoria no meu silêncio.

Toques cheiros e sons despertavam em mim um prazer suave e sutil na travessia do meu deserto interno. A comunicação se dava por meio da poesia e me permitia descobrir um mundo diferente daquele concebido por gente grande.

A suave companhia daquela curiosa e amorosa criança transcendia tudo que parecia inacessível no dia a dia e expulsava a insignificância impregnada no meu corpo.

Mas, infelizmente a viagem já prenunciava o fim do trajeto da vida e uma lágrima livre sobre a minha face rolou. A essência da rosa, agora, faz parte da minha filosofia. A criança que me acompanhara sorriu, piscou os olhinhos, agradeceu e se foi, feito sinfonia do entardecer.

Não há dúvida, uma sólida certeza ficou. Cada ser humano é único e infinito e vale apena amar. De pé agora estou, aplaudindo a harmonia do tempo fora do tempo que passou!

Texto escrito para o blog Parágrafo Cerrado, a partir da programação  Aldeia Guaná  no período de 02/09/2017 a 16/09/2017, no Sesc Arsenal.


O corpo, a dança e a resistência na luta pra não morrer


 Por: Janete Manacá

Terça-feira, 17 de outubro de 2017, primeiro dia do AFETO: Conexões em dança no SESC Arsenal em Cuiabá/MT. Eu e mais um seleto grupo de artistas aguardávamos o passar do tempo para assistir à palestra: “Dança: Uma possibilidade de criar aprendendo”, com a bailarina do estado do Paraná, Gladis Tridapalli, marcada para iniciar às 19h, na sala da sétima arte.

Convencionalmente Gladis iniciou seu colóquio abordando sobre pesquisa do corpo, hipóteses, dúvidas e outros assuntos inerentes ao tema. Final de um estressante dia de trabalho, calor excessivo, o corpo parece se descolar dos ossos, numa sensação de impotência absoluta. Diante disso, a capacidade intelectual acaba ficando comprometida; então, a memória em ação passa a ser mais seletiva do que imaginamos e não dá pra se lembrar de tudo. Mas vamos lá!

Num dado momento de sua fala, com a desculpa de ter esquecido algo, ela pede licença e sai para buscar. Quando adentra novamente à sala, já não era mais a mesma, era um corpo ressignificado, uma planta, mais especificamente uma samambaia.

Movia-se lenta, moderada e rapidamente em planos baixo, médio e alto, compondo variados desenhos coreográficos em pequenas lacunas do espaço. Beleza, astúcia e uma certa confusão marcam a encenação.

Era também como um corpo ousado que se provoca na tentativa de se libertar. Estava impregnado de relatos de um cotidiano exaustivo e repetitivo, ausências, angústias, dúvidas e tantos outros cacos de memórias que afloravam naquele corpo, agora desnudo, mas ainda num certo estado de desconforto e indignação a se debater no desejo de superação.

Escolhas, teorias, práticas, ações e reconstruções, com pitadas de um tétrico humor, travam um duelo entre o corpo que se movimenta e os olhos atentos da plateia que observa e se integra ao conflito.

Maternidade – transformação, estupro – transgressão, uma enxurrada de dúvidas que geram outros caminhos, outros porquês para expressar as emoções. E esse corpo se movimenta freneticamente em ritmos desconexos entre as opções do ontem, do hoje, as urgências do agora e as incógnitas do amanhã. Um constante fazer-se e desfazer-se, permeado de inconformismo e gritos de protestos de corpos por um fio.

O corpo impregnado pelos acontecimentos do dia a dia, medo, insegurança e tantos outros desafios, torna-se um colecionador de sofrimentos, numa coreografia geográfica de protesto universal, como um grito alucinante, sociológico e surreal.

Nesse universo vasto de sentimentos o corpo dança e expurga em cada movimento o desamor, a dor, o descontentamento... Tudo se faz inédito nesse agonizante e dialético mundo do devir.

A bailarina Gladis, em tão pouco tempo, nos mostrou, para além das possibilidades, que todo corpo é exímio em sua dança ainda que de sobrevivência. A dança é o grito de socorro que, vibrante e resistente, renasce sempre reluzente ainda que da lama do caos. E mesmo afetado pelas incertezas do instante, nas lutas para sobreviver vai criando resistência e dança pra não morrer.

Texto escrito para o blog Parágrafo Cerrado, a partir da programação Afeto conexões em dança, no Aldeia Rosa Bororo, ocorrida no período de 17/10/2017 a 22/10/2017, no Sesc Arsenal.


Saciando a sede de infinito, diário de bordo no balão azul


Por: Janete Manacá 

Cuiabá/MT, 19 de outubro de 2017. Expectativa e emoção. Estávamos na fila aguardando o embarque, era a minha primeira aventura a bordo de um balão. Uauuuu! Finalmente a entrega dos passaportes. Pulseiras fluorescentes! A tripulação é feminina, são 4 mulheres-borboletas-bailarinas: Gladis Tridapalli, Ludmila Velloso, Mabile Borsatto e Raquel Bombieri.

Música vibrante, luzes multicoloridas e o coração querendo sair pela boca. Calma coração nesse momento é melhor manter a serenidade. A maioria ali presentes tinha a alma de artista e com a aparência de gênio sonhador. Lunáticos sim, por ousarem ser diferentes, mas alienados jamais!

O diálogo era telepático e corporal, inspirado por energia vital. Elas eram sobre-humanas e conduzia cada aventureiro com a potência das esferas, a força feminina que acima de tudo concebe e gera. Entre tantas pessoas conhecidas ou não, tinha sorriso de tensão, alegria, brilho nos olhos, inquietude, poesia e tesão.

Um super balão movido por ondas sonoras, energia humana e muita emoção. Luz, som e super-ação, corpos e mentes estagnadas não propiciam a indignação. É fora da cultura do rebanho que conseguimos ressonar os nossos gritos de insatisfação.

E os corpos dançam, denunciam, lutam, choram e sorriem e não desistem, controlam a respiração e resistem. Mesmo prestes a chegar na Via-Láctea continuávamos conectados ao anseio de realizar os sonhos, mas atentos às conspirações.

E dentro daquele balão tínhamos a noção de uma sociedade possível, movida por alegria, transportando o coletivo, sem preconceito, violência, abuso, traição ou qualquer tipo de discriminação. Nele todos os habitantes eram bem-vindos para conquistar o infinito pleno de encantamento. O coração palpitava freneticamente e transbordava de prazer.

O desejo era de que cada movimento da dança reverberasse os nossos gritos naquela viagem extasiante que pretendia o infinito. Aquele balão agora tem a cor do arco-íris. Que a loucura seja parte dos nossos sonhos. Que a dança possa denunciar a dor de quem perdeu os movimentos, a voz e a própria vida na luta por justiça perante as desigualdades sociais.

Por alguns instantes a viagem se fez eternidade. Nos embriagamos naquele percurso artísticos e saciamos a nossa sede de infinito. A partir deste momento estamos mais fortalecidos no desejo de ser suavidade. Infelizmente retornamos aos nossos lares, mas com uma certa agonia. A readaptação será dolorida, mas movida pela coragem de continuar fazendo a diferença. A alma está encharcada de música nos convidando a dançar por um tempo de ternura onde seja possível conjugar o verbo amar.

Como uma miragem diante dos olhos embevecidos, os corpos continuam dançando porque a vida pede atitude e liberdade para sonhar. O balão, agora, segue outro percurso, não sem antes, ter despertado em cada passageiro, a vontade de dar continuidade a outras danças. Que cada passo na composição dessa nova, porém, ousada dança tenha beleza, força estelar e coragem para toda corrente desatar... sempre. Até a próxima viagem!

Texto escrito para o blog Parágrafo Cerrado, a partir da programação Afeto conexões em dança, da Aldeia Rosa Bororo, ocorrida no período de 17/10/2017 a 22/10/2017, no Sesc Arsenal.



Proposição artística: No corpo outra vez com Comadança/Cuiabá/MT


Por: Janete Manacá
Fotografia: Juliana Segovia

Três corpos sentados, absortos no silêncio de suas memórias. Cada qual com seus desejos e limites se complementa na intimidade da sua existência, num diálogo sensível com o próprio corpo e os objetos em cena: mesa cadeiras, sofá.

No conforto do lar tudo é possível. Rizadas descontroladas, olhos arregalados, lábios contorcidos, passos miúdos, correria, diálogos com a imaginação, figurinos confortáveis, chinelos, sapatos, botas ou pé no chão. Tudo é atemporal e permitido, feito um bailado requintado ou atrevido.

Desfaz-se do peso da gravata, se entrega a maciez da camisola de seda e se arrebata na originalidade da criação. Pendura a samambaia e experimenta passos para dar um novo tom à simplicidade do cotidiano. Com tristeza no olhar e a fragilidade do caminhar, sonha com o bolo de aniversário.

Em todos os planos, a dança vai tomando forma a partir de fragmentos da vida no dia a dia, que nem sempre se compõe de poesias. Mesmo assim, desperta em nós a necessidade de reinventar tudo de forma a nos propiciar o prazer. A música é cúmplice de cada movimento executado com primor.

Há fatos revelados durante a evolução da coreografia do espetáculo “No corpo outra vez”, que nos chamam à reflexão; encantam os nossos olhos e reacendem a esperança que jaz inerte em nós, talvez pelo medo de se expor e falhar diante de olhares externos.

Ao mesmo tempo há uma ousadia sutil e solitária que rasga a alma e liberta a potência corporal presa pelo temor, culpa ou qualquer outro trauma que faz com que muitos sonhos sejam abortados por julgamentos e preconceitos.

No entanto, é na intrepidez de dançar a realidade que os bailarinos se edificam e expulsam os próprios fantasmas. Assim, permitem que o corpo com suas peculiaridades, formas e limites realize a transcendência, saindo do lugar comum.
  
E, despidos de tudo que lhes foram impostos, lançam mão da própria potência. Agora sim, de volta ao corpo, mas com as palavras ainda presas na garganta, eles seguem rompendo os desafios com o desejo de fazer jus ao poder infinito que habita a mais sagrada de todas as moradas: o próprio corpo. Afinal, a vida segue seu trajeto e a dança não pode esperar!

O Grupo Comadança, criado em 2009, é composto pelos bailarinos: Clodoaldo Arruda, Vinícius dos Santos e Alexandre Cruz. Nesses nove anos, ele desenvolveu significativos e diversificados trabalhos no cenário cultural brasileiro. O espetáculo “No corpo outra vez” foi contemplado com o prêmio Klaus Vianna.

Texto escrito para o blog Parágrafo Cerrado a partir da Cena em Pauta realizada nos dias 23 e 24 de junho de 2018, no Sesc Arsenal.

“Cativa Caatinga” uma sedutora fusão poética e cultural Show com Laura Paschoalick


Por: Janete Manacá


Não há outra palavra para iniciar a minha impressão do show “Cativa Caatinga” que não seja a gratidão. Gratidão pela oportunidade. Gratidão ao nobre e harmonioso presente. Gratidão pela poética de tão lindo encontro musical.

O êxtase tem início ao adentrar o teatro. Um cenário realista do “Ser tão seco”, mas criativo e resistente, entre galhos retorcidos, e um porta retrato antigo que expõe a foto de um casal. Tão habitual na memória de muitas famílias brasileiras e sempre a ocupar um lugar de destaque na casa. Por uma fração de segundos voltei ao passado, inserida na literatura de Graciliano Ramos, como Sinhá Vitória, em Vidas Secas.

Tomada pela curiosidade, vício que me acompanha desde que me conheço por gente, cheguei mais próximo do cenário e observei com atenção. Naquele instante deu para se ter uma ideia do que me aguardava naquela noite.

Pessoas de todas as idades chegavam. Eufóricas e sorridentes. A plateia parecia um jardim de terra ressequida. Cada um que adentrava ao espaço era como uma semente germinada na dureza daquele chão. Com força, resistência e sorriso de emoção. Rompia a terra e assumia o seu lugar de poder... poder de estar ali, junto àquela plateia enérgica e vibrante de afeto amoroso.

Apagam-se as luzes. Silêncio absoluto. O palco na penumbra. Em primeiro plano uma silhueta feminina. O som preenchia o espaço. Algumas pessoas se arriscaram a romper a atmosfera de expectativa e liberar a sua poética interior, ao reverberar alguns adjetivos como: linda, diva, maravilhosa...

Holofotes enfim. Ei-la ali. Luz entre luzes. Suave como uma fada, com a potência de uma rainha pós-moderna. Aquela que sabe o que quer e segue liberta, com seu talento, carisma e a exata dose de ousadia. Eu me refiro a doce Laura Paschoalick, cantora, violonista, atriz e compositora.

O repertório completo conta com as músicas: Vala cabocla, Ímpar, Baião de um, Ao boi, Coco Cadenciado, Ser tão Seco e Se fulores.  Este nos permite uma viagem na diversidade de ritmos que vão do afro ao latino, entre outros. O resultado dessa fusão poética e cultural é a sedução. O show “Cativa Caatinga” faz parte do seu primeiro projeto autoral. Um tributo à memória ancestral e aos habitantes das regiões do Norte e Nordeste Brasileiro. Com certeza veio para ficar.

Além do habilidoso acordeonista, Rodrigo Ramos, o show conta também com a incrível participação do percussionista, Mestre Josué Carvalho. Uma união artística sensível, perfeita. Não foi sem motivo que, ao término, o público a aplaudiu de pé. Pela qualidade, beleza e expressividade, o show recebeu uma declaração de amor de um dos integrantes da plateia, senhor José Damasceno, mais conhecido como Zelito. O tempo voou. Cativa Caatinga terminou, com o desejo de “quero mais”. Aplausos!

Ficha Técnica:
Show "Cativa Caatinga": Laura Paschoalick
Percussão: Josué Carvalho
Acordeom: Rodrigo Ramos
Cenário: Alexandre Cruz e Naiane Gonçalves
Figurino: Dona Joana
Maquiagem: Lais Maia
Fotografia: Alfredo Darcia
Filmagem: Juliana Segovia
Produção Geral: Luana Araújo

Projeto: Mostra Sesc de Música - Sesc Arsenal
De 24 a 29/07/2018


Processo de forma que transforma e disforma

Foto: Pedro Ivo
Por: Janete Manacá
Proposição artística: Espectróides  Performance: Cinema Expandido 

       Um minúsculo salão, uma tela branca, dois corpos em recomposição e uma pequena plateia marcam as horas ao som da respiração e olhares fixos no processo de construção. Na intimidade do instante tudo se expande como um único corpo.

        Na imagem projetada a tesoura afiada demarca o tecido/pele e a metamorfose aos poucos desabrocha na intenção outrora latente. Calor, silêncio e tensão permeiam a trama que ritmicamente toma forma, transforma e disforma.

   Entre fragmentos de diálogos as personagens virtuais, dilaceradas expõem seus sonhos, traumas e frustrações, que se misturam ao mundo real.

     Corpos são compostos por retalhos escolhidos na sutileza de cada intenção. E na liquidez da absurda modernidade o ser se recria quantas vezes forem necessárias.

     Laços são estabelecidos como promessas de eternidade, mas no dia seguinte se desfazem, pois já não satisfazem a busca insaciável de fúteis desejos.

     Assim segue o pretenso humano, colecionando máscaras para serem usadas em momentos apropriados. O outro é seu território dominado e quando o interesse termina será friamente descartado.

     Por isso ele corta e recorta retalhos para refazer a sua própria pele, sempre e da maneira que achar conveniente. Cada recorte faz dele um outro ser, incompleto, inquieto. E nesse agir descompensado, envolto em falsa embalagem vai vendendo o que não é.

     Mediante esse jogo do real e imaginário cada qual reinventa o seu destino. E na transgressão reconstrói caminhos sob hipóteses violentas disfarçadas de amor.

     O sagrado também é violado. E cada desejo liberto não tem limite, porque a surdez o impede de ouvir os agonizantes gritos que se dilui na liquidez caótica dos conflitos. 


Texto escrito para o blog Parágrafo Cerrado, (SPECTROLAB, MT)a partir da programação  Aldeia Guaná  no período de 02/09/2017 a 16/09/2017, no Sesc Arsenal.

Spectrolab-MT
Atores: Caio Augusto Ribeiro
             Douglas Peron


Inhamor: Um urgente grito de alerta

Por: Janete Manacá
Foto: Fred Gustavos
Fugindo a rotina normal, a noite   estava fresca e agradável, afinal era o dia de  comemoração das bodas de papel do monólogo Inhamor com a atriz Thereza Helena. Amigos,  familiares, artistas e convidados    se      fizeram       presentes     para prestigiarem o espetáculo, marcado para as 20h, do dia 13 de janeiro de 2018, nas dependências da Casa Cuiabana, centro de Cuiabá.

Do jardim do casarão antigo ouve-se a voz maviosa da atriz Thereza Helena que abre as janelas brancas em madeiras venezianas e em seguida dirige-se à porta para recepcionar os convidados. Cada um ao chegar se aloja confortavelmente em frente à mesa e em suas laterais. O ambiente é uma harmoniosa e convidativa cozinha com suas lanternas artesanais, mas naquele momento iluminado pelas chamas de velas brancas. Sobre a mesa um caminho de crochê e um pirex de vidro transparente deixava o espaço bem intimista.

De todos os cômodos de uma casa a cozinha sem dúvida é o lugar de maior destaque. Trata-se de um laboratório um santuário, um lugar de alquimia, canto, oração, reflexão e poesia. Neste lugar o feminino pode exercer o seu poder alquímico. Não como uma obrigação, mas como algo muito mais primoroso: o amor em comunhão.

Entre cantos, histórias e olhares amistosos a atriz vai compondo a personagem. Em seguida nos apresenta a alocásia ou inhame um tubérculo que nasce da terra. E é também nesse momento que Thereza Helena nos fala sobre o sofrimento, a amargura de uma mulher cujo corpo é prisioneiro de preconceito e machismo por não se enquadrar aos padrões absurdos de beleza social imposto.

E nos fala também, da libertação desse corpo diante da imensidão das águas salgadas da Mãe Universal, que o acolhe em suas águas amnióticas e o faz renascer novamente nutrido da força das marés. E essa libertação corporal é estendida a cada mulher que tem o nome registrado na areia da praia e levado pelas ondas do mar. Nesse momento há um silencioso sentimento de empoderamento.

Muito embora, as crueldades das imposições sociais sejam demasiadamente violentas, há que se ter coragem e determinação para não cair na armadilha e sujeitar o corpo a padrões de beleza alheios a realidade. Só queremos ser um corpo no mundo acima de qualquer repressão e ocupar o nosso espaço na grandiosidade de ser apenas mulher… Infinito amor em movimento.

O corpo feminino não é um rascunho que pode ser moldado a bel prazer de uma sociedade machista e massificada pelas mídias sociais. Ele é habitado pelo sagrado. Não está no mundo para ser submetido às regras que aprisionam e oprimem em nome da ditadura da beleza, criada sem levar em conta o biótipo, as peculiaridades de cada um.

Sobre a mesa são colocados os ingredientes para o preparo do pão Trata-se de uma receita vegana, que amorosamente vai tomando forma e despertando a reflexão dos presentes. E, então, é visível a generosidade feminina ao escolher ingredientes propícios a uma vida mais saudável tanto do corpo como da alma.

E a trama continua na mágica e aconchegante cozinha. A sonoridade quer seja do desenrolar do fio do liquidificador, do acender e apagar das luzes, dos objetos colocados sobre a mesa, da cantiga de indignação, da oração que abençoa imantando o ambiente, compõe-se a sensível e delicada trilha sonora.

O ápice da trama se dá no momento em que a atriz agoniada ergue a blusa e pede ao senhor da cabeceira da mesa para lhe ajudar a desabotoar a cinta que de tão apertada marcara sobremaneira o seu frágil corpo. Confeccionada com arame, ao ser retirada muitas mulheres ali presentes respiraram aliviadas daquela “estética” opressão.

Enfim, o público agora é cúmplice de todas estas reflexões. O pão de inhame é servido e nutre o nosso ser com sabor, aroma e amor. As pétalas de hibiscos são colocadas nas jarras de vidro transparente tingindo a água de vermelho lembrando o ciclo mensal da reconexão feminina com a Mãe Terra.

Inhamor, é um urgente e amoroso grito de alerta que conclama o feminino a reocupar o seu lugar de poder no colo de Gaia e de mãos dadas com a vida reconectar-se ao sagrado.

Para quem ainda não assistiu fica aqui o convite. Vale muito a pena. Além da beleza e sensibilidade ele nos lembra da importante missão do feminino aqui e agora.


Texto escrito para o Parágrafo Cerrado a partir da primeira ação do O Levante em 2018, realizado no Centro Cultural Casa Cuiabana no dia 18 de janeiro de 2018.

Andarilhos das Estrelas Grupo Tibanaré de Cuiabá/MT




Por: Jante Manacá

É difícil imaginar, mas pra vocês eu digo e digo pela certeza de que não vão me censurar e muito menos dizer que sou louca. Era em torno de 10h da manhã e o sol já dava o ar de sua graça, dourando a pele dos transeuntes apressados quando fui tomada por um brilho incomum. Era tão forte, tão intenso que ofuscava a grandiosidade da luz solar e me inundava com seus reluzentes raios.

Não pude esconder o espanto e a admiração ao ver aproximar-se uma constelação composta por 5 estrelas de primeira grandeza. Ainda que o número fosse tão pequeno o brilho era intenso. Pessoas chegavam e ficavam atônitas com os raios de luz bailando na imensidão de tantos olhares.

Por incrível que possa parecer, este seria apenas mais um dia comum, não fosse a surpresa do encontro com um cortejo cênico no centro histórico da cidade de Cuiabá. Com o rosto pintado, um alegre e suave figurino e a proteção de lindas sombrinhas, estes seres estelares brincaram na Praça da República e em seguida adentraram o calçadão da Galdino Pimentel e no seu percurso passaram por algumas lojas.

Alegres e brincalhões eles cantavam e declamavam poesias, seguidos por poetas, artistas, fotógrafos, enfim, pessoas de todas as idades que por ali passavam, rendiam-se ao encanto daqueles artistas de rua, afinal, não se tratava de algo corriqueiro, mas sim, dos “Andarilhos das Estrelas”, do Grupo
Tibanaré.

Uma pequena multidão os acompanhava com os olhos brilhantes de alegria e satisfação. Naquele dia muitas pessoas tiveram a chance de brilhar por alguns instantes. Os integrantes do grupo, se aproximavam aleatoriamente de uma determinada pessoa e a envolviam na sombra revigorante de suas sombrinhas e naquele momento o show era particular, face a face, numa harmoniosa cumplicidade.

A emoção, nitidamente misturada com um quê de gratidão, envolvia com tamanha ternura a raizeira, o sorveteiro, os ambulantes, entre outros, que por alguns segundos se esqueciam do que estavam fazendo no centro da cidade. Por certo, quando saíram de casa, não imaginavam o que a vida lhe reservava. Fazer parte de uma plêiade estelar tão especial só podia ser uma dádiva.

Tão plenos de dedicação eles transbordavam amor e contagiavam os mistérios do coração de cada seguidor do cortejo. Eram apenas peregrinos que levavam alentos a quem por eles passavam. Haviam rostos sorridentes, outros que timidamente deixavam as lágrimas bordarem a face. Havia ainda, gente suspirando fundo, mas de contentamento. Quantas surpresas a vida pode nos reservar quando o coração está aberto e em sintonia com o Poder Infinito Criador.

Quantos corações aquecidos se renderam a poética daquele encontro amoroso? Quantas mentes inquietas pelas agruras da existência expulsaram as tristezas da alma? Muitas, com certeza! Foram momentos inesquecíveis que marcaram sobremaneira a vida de cada pessoa ali presente.

Se eu tivesse o poder da alquimia, eu faria eternidade daquele dia! E me entregava ao encanto das vozes maviosas, da magia de cada poesia, da afetividade, do calor humano e da ousadia que permite ressuscitar o encanto que faz morada em cada olhar.

Ah se eu pudesse parar as horas, daria férias ao relógio e estaria lá até agora. Embriagada de alegria na sintonia da arte sagrada que expulsa a dor, faz a catarse da agonia e traz leveza e doçura aos dias sombrios.

Agora que tudo acabou desolada aqui estou. O que me resta, se não, acalentar essa poética na memória? Quero adormecer e acordar com a certeza, de que qualquer dia desses eu possa ser surpreendida novamente com os “Andarilhos das Estrelas”, iluminando a vida dos sobreviventes invisíveis pela indiferença social. Reacendendo a esperança de quem vive nas vielas, becos e porões, de uma vida de crueldade e incertezas.

FICHA TÉCNICA

Texto
Poetas de Mato Grosso
Aclyse de Mattos
Airton Reis
Ivens Scaff
Lucinda Persona
Marta Cocco
Vera Capilé
e Elenco

Adaptação e Direção
Jefferson Jarcem

Figurino, Auxiliar Técnica e Produção Executiva
Fernanda Gandes

Adereços
Grupo Tibanaré

Direção Musical
Jefferson Jarcem
 Anne Queiroz
Valter Lara

Assessoria Cênica
Ricardo Pucceti

Direção Artística do Grupo
Jefferson Jarcem

Elenco
Anne Queiroz
Paulo Fábio
Jefferson Jarcem
Valter Lara
Vini Hoffmann

Contato
Telefone: 65 9 8449 0919
Facebook: @grupotibanare
Fernanda Gandes
2017