Por:
Janete Manacá
Terça-feira, 17 de outubro de 2017, primeiro dia do AFETO:
Conexões em dança no SESC Arsenal em Cuiabá/MT. Eu e mais um seleto grupo de
artistas aguardávamos o passar do tempo para assistir à palestra: “Dança: Uma
possibilidade de criar aprendendo”, com a bailarina do estado do Paraná, Gladis
Tridapalli, marcada para iniciar às 19h, na sala da sétima arte.
Convencionalmente Gladis iniciou seu colóquio abordando sobre
pesquisa do corpo, hipóteses, dúvidas e outros assuntos inerentes ao tema.
Final de um estressante dia de trabalho, calor excessivo, o corpo parece se
descolar dos ossos, numa sensação de impotência absoluta. Diante disso, a
capacidade intelectual acaba ficando comprometida; então, a memória em ação
passa a ser mais seletiva do que imaginamos e não dá pra se lembrar de tudo.
Mas vamos lá!
Num dado momento de sua fala, com a desculpa de ter esquecido algo,
ela pede licença e sai para buscar. Quando adentra novamente à sala, já não era
mais a mesma, era um corpo ressignificado, uma planta, mais especificamente uma
samambaia.
Movia-se lenta, moderada e rapidamente em planos baixo, médio e
alto, compondo variados desenhos coreográficos em pequenas lacunas do espaço.
Beleza, astúcia e uma certa confusão marcam a encenação.
Era também como um corpo ousado que se provoca na tentativa de se
libertar. Estava impregnado de relatos de um cotidiano exaustivo e repetitivo,
ausências, angústias, dúvidas e tantos outros cacos de memórias que afloravam
naquele corpo, agora desnudo, mas ainda num certo estado de desconforto e
indignação a se debater no desejo de superação.
Escolhas, teorias, práticas, ações e reconstruções, com pitadas de
um tétrico humor, travam um duelo entre o corpo que se movimenta e os olhos
atentos da plateia que observa e se integra ao conflito.
Maternidade – transformação, estupro – transgressão, uma enxurrada
de dúvidas que geram outros caminhos, outros porquês para expressar as emoções.
E esse corpo se movimenta freneticamente em ritmos desconexos entre as opções
do ontem, do hoje, as urgências do agora e as incógnitas do amanhã. Um
constante fazer-se e desfazer-se, permeado de inconformismo e gritos de
protestos de corpos por um fio.
O corpo impregnado pelos acontecimentos do dia a dia, medo,
insegurança e tantos outros desafios, torna-se um colecionador de sofrimentos,
numa coreografia geográfica de protesto universal, como um grito alucinante,
sociológico e surreal.
Nesse universo vasto de sentimentos o corpo dança e expurga em
cada movimento o desamor, a dor, o descontentamento... Tudo se faz inédito
nesse agonizante e dialético mundo do devir.
A bailarina Gladis, em tão pouco tempo, nos mostrou, para além das
possibilidades, que todo corpo é exímio em sua dança ainda que de
sobrevivência. A dança é o grito de socorro que, vibrante e resistente, renasce
sempre reluzente ainda que da lama do caos. E mesmo afetado pelas incertezas do
instante, nas lutas para sobreviver vai criando resistência e dança pra não
morrer.
Texto escrito para
o blog Parágrafo Cerrado, a partir da programação Afeto conexões em dança, no
Aldeia Rosa Bororo, ocorrida no período de 17/10/2017 a 22/10/2017, no Sesc
Arsenal.